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domingo, 21 de março de 2010

A PRESENÇA DO BRASIL COLÔNIA E AS CRENDICES POPULARES NA OBRA MENINO DE ENGENHO, DE JOSÉ LINS DO REGO


· Natália Rodrigues Sousa


Aluna do 7º período do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O presente trabalho tem por objetivo analisar a obra Menino de Engenho, de José Lins do Rego, percebendo a temática abordada na obra, o universo dos personagens, bem como as características do segundo tempo modernista, o romance de 30 que no caso o livro em estudo está inserido. Vamos conhecer também um pouco sobre o autor da obra, José Lins do Rego e finalmente vamos abordar sobre a presença do Brasil Colônia e as crendices populares na obra em foco. O artigo é de cunho bibliográfico, no qual são trabalhados teóricos como Petta e Ojeda (1999), Costa e Mello (2008), Júnior (2004) e Barthes (2000).


CONHECENDO O AUTOR JOSÉ LINS DO REGO


José Lins do Rego Cavalcante nasceu no Engenho Corredor, no Município de Pilar, Estado da Paraíba no dia 3 de julho de 1901. Típico filho de uma família patriarcal nordestina, José Lins do Rego colocou em sua produção literária o Nordeste dos engenhos, onde desde cedo habitou. Ele foi testemunha ocular da decadência de um tempo, o do engenho de açúcar, que cedeu lugar às usinas, num processo de transformação social e econômica. Vale afirmar que José Lins do Rego formou-se em Direito em Recife e, em 1919, passou a colaborar na imprensa. Em 1955 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Sendo que ele faleceu no dia 12 de setembro de 1957, deixando grandes obras e a sua contribuição para com a literatura. Podemos citar como suas obras: Romances do ciclo da cana-de-açúcar como Menino de Engenho, Doidinho, O moleque Ricardo, Usina, Fogo morto; Romances do ciclo do cangaço como Pedra bonita e Cangaceiros; Romances independentes como Pureza, Água-mãe, Riacho doce e Eurídice.
O CONTEXTO HISTÓRICO E AS CARACTERÍSTICAS DO SEGUNDO TEMPO MODERNISTA

José Lins do Rego fez parte do segundo tempo modernista, o romance de 30. Podemos afirmar que a literatura que se produziu nos anos 30 e 40 basicamente gravitou na difícil realidade gerada pela ditadura que se instalou no nosso Brasil a partir de outubro de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
Vale dizer que cada autor do segundo tempo modernista diante dessa realidade passou a refletir sobre essa época de agonia a sua maneira, dessa forma, produziu-se uma literatura regionalista que procurou realçar a região focalizando o problema social. Nesse sentido, a poesia enveredou para a crítica social e para o entendimento das relações conturbadas do homem com o universo.
Podemos apontar como características do romance regionalista a linguagem crítica e clara, objetiva, é uma literatura voltada para a reflexão sobre os problemas sociais, que trata também da situação dos proletários rurais, isto é, os dominados por um rude esquema de trabalho sob o mundo dos grandes proprietários de terra.

CONHECENDO OS PERSONAGENS DA OBRA MENINO DE ENGENHO


Dentre os vários personagens que perpassam a obra Menino de Engenho podemos enumerar Carlinhos, o coronel Zé Paulino, Maria, tia de Carlinhos, a velha Totonha, Antonio Silvino, Juca, tio de Carlinhos, a Sinhazinha e as negras.
Carlinhos é o narrador do romance. Ele perde a sua mãe aos quatro anos de idade e vai morar no engenho com o seu avô Zé Paulino. Carlinhos é um menino melancólico, solitário e bastante introspectivo. Aos doze anos ele manteve a sua primeira relação sexual e contraiu gonorréia. No trecho a seguir podemos ver como Carlinhos era e como se sentia:



Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam.Metia-me com os moleques por toda a parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros. (Menino de Engenho, 2003, p.58).



O coronel Zé Paulino é o todo poderoso senhor de engenho, é o patriarca absoluto da região no qual todos têm um maior respeito e obediência, como pode ser visto no trecho a seguir:


Meu avó me levava sempre em suas visitas de corredor às terras de seu engenho. Lá ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. (Menino de engenho, 2003, p.33).




A Maria é a tia de Carlinhos, é irmã de sua mãe Clarisse. Carlinhos tinha-a como uma segunda mãe, todos gostavam muito dela devido a sua bondade e simpatia. Vejamos o trecho que comprova como Maria era:



A moça que se parecia com a minha mãe, e que era a sua irmã mais nova, me levou para mudar de roupa. – Agora vou ser a sua mãe. Você vai gostar de mim. Vamos, não chore. Seja homem. E me abraçou, e me beijou, com uma ternura que fez lembrar os beijos e os abraços de minha mãe. (Menino de Engenho, 2003, p.10).



Temos também a velha Totonha que é uma pessoa admirável e fabulosa, que encanta a todos com as suas histórias. Ela representa de forma muito bem o folclore ambulante dos contadores de histórias. Vejamos o seguinte trecho que fala da velha Totonha:



A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e uma noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens. (Menino de Engenho, 2003, p. 44 e 45).




Ao lado desses personagens irreverentes que compõem a obra em estudo temos o Antonio Silvino que representa muito bem o cangaceiro sempre temido e respeitado pelo povo devido defender os mais fracos e lutar por justiça. Notemos a seguir como o cangaceiro Antonio transmitia medo e pavor e ao mesmo tempo respeito pelo povo:


Uma tarde, chegou um portador num cavalo cansado de tanto correr, com um bilhete para meu avô. Era um recado do coronel Anísio, de Cana Brava, prevenindo que Antonio Silvino naquela noite estaria entre nós. A casa toda ficou debaixo de pavor. Para os meninos, a presença de Antonio Silvino era como se fosse a de um rei das nossas histórias, que nos marcasse uma visita. (Menino de Engenho, 2003, p.18).




Vale falar também da personagem Sinhazinha que é cunhada do coronel José Paulino. Ela comanda o governo da casa-grande onde manda e desmanda e é detestada por todos em virtude de sua arrogância e sua crueldade, como pode ser verificado no seguinte trecho:



A minha tia Sinhazinha era uma velha de uns setenta anos. Irmã de minha avó, ela morava há longo tempo com seu cunhado. Era ela que tomava conta da casa do meu avô. As pobres negras e os moleques sofriam dessa criatura uma servidão dura e cruel. Vivia a resmungar, a encontrar malfeitos, poeira nos móveis, furtos em coisas da despensa, para pretexto de suas pancadas nas crias da casa. (Menino de Engenho, 2003, p. 15).




Para finalizar temos as negras que representam o tempo de escravidão, são elas: Generosa, dona da cozinha, a vovó Galdina, Maria Gorda e Romana. Essas mulheres trabalham de graça sem reclamar na casa do coronel José Paulino, como pode ser visto no trecho a seguir:



As negras do meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho, não deixaram a rua, como elas chamavam a senzala. E ali foram morrendo as velhas. Conheci umas quatro: Maria Gorda, Generosa, Galdina e Romana. O meu avô continuava a dar-lhes de comer e vestir. E elas a trabalharem de graça, com a mesma alegria da escravidão. (Menino de Engenho, 2003, p.49).



Todos esses personagens são de fundamental importância na obra, cada um tem as suas próprias características e representam muito bem o seu papel, levando o leitor atento a compreender a própria história em si e a ação dos personagens.

ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA NARRATIVA NA OBRA MENINO DE ENGENHO


O livro Menino de Engenho é um enredo que apresenta uma linguagem simples, de fácil compreensão. O romance é narrado em primeira pessoa pelo personagem Carlos Melo que relata a sua história de vida no engenho de seu avô. Vejamos o trecho que comprova que a obra é contada pelo narrador personagem:


O que eu sentia era uma vontade desesperada de ir para junto de meus pais, de abraçar e beijar minha mãe. Ainda me lembro de meu pai. Era um homem alto e bonito, com uns olhos grandes e um bigode preto. Sempre que estava comigo, era a me beijar, a me contar histórias, a me fazer gostos. Tudo dele era para mim. (Menino de Engenho, 2003, p. 6).



O ambiente em que se passa a narrativa é bem descrito e tem como cenário a região limítrofe entre Pernambuco e Paraíba, mais precisamente no engenho Santa Rosa, logo podemos afirmar que o espaço é o campo com a sua esplêndida natureza. Vejamos o trecho a seguir que mostra onde acontece a narrativa:



Três dias depois da tragédia levaram-me para o engenho do meu avô materno. Eu ia ficar ali morando com ele. O engenho fica ali perto. Eu ia reparando em tudo, achando tudo bonito. A estação ficava perto de um açude coberto de uma camada espessa de verdura. Os matos estavam todos verdes, e o caminho cheio de lama e de poças de água. Pela estrada estreita por onde nós íamos, de vez em quando atravessava boi. (Menino de Engenho, 2003, p. 9).



Quanto ao tempo da narrativa, podemos dizer que o tempo é cronológico, pois o narrador personagem Carlinhos tem quatro anos quando a narrativa começa e doze, quando termina o livro, como pode ser verificado a seguir:



Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando pela manhã me acordei com um enorme barulho na casa toda. A tia Sinhazinha falava dos meus atrasos. Os homens riam-se das intemperanças dos meus doze anos. (Menino de Engenho, 2003, p. 5 e 102).



Diante do que foi exposto podemos falar que tanto o espaço quanto o tempo influenciavam na vida do personagem Carlinhos que teve uma infância triste por perder a mãe ainda criança, ele vivia sempre melancólico, pensativo com a vida que levava no engenho, sendo que esse ambiente, ou seja, o engenho contribuiu muito para que ele tivesse um viver de diversão e também de solidão, deixando-se envolver pelo próprio meio e pelo convívio com as pessoas.

A PRESENÇA DO BRASIL COLÔNIA E AS CRENDICES POPULARES NA OBRA MENINO DE ENGENHO


O contexto histórico da obra Menino de Engenho é o Brasil colônia e o regime escravocrata. Podemos notar na obra em estudo as características marcantes do Brasil colônia como a situação sócio-econômica da cana-de-açúcar, a presença de engenhos, senzala, casa-grande, o poderio do coronel senhor de engenho que detinha o poder econômico e político da fazenda de engenho Santa Rosa, a escravidão é outro fator abordado. O livro também enfoca a questão do cangaceirismo visualizado na pessoa de Antonio Silvino, vale ressaltar também as crendices populares presentes na magnífica obra em foco.
De acordo com Costa e mello (2008, p.233), a produção da cana-de-açúcar se iniciou no Brasil colonial nos primeiros anos da colonização portuguesa. Realizava-se em grandes propriedades denominadas engenhos, no qual se explorava ao máximo a mão-de-obra, a fim de aumentar o lucro. Na obra em estudo podemos ver essa característica marcante desse Brasil colônia, pois retrata a questão da produção de açúcar no engenho Santa Rosa que representa grande lucro para o senhor de engenho que explorava ao máximo os trabalhadores nos canaviais, como pode ser visto no seguinte trecho do livro:



É aqui onde se cozinha o açúcar. Vamos agora para a casa de purgar. Dois homens levavam caçambas com mel batido para as fôrmas estendidas em andaimes com furos. Estavam na limpa do partido da várzea. O eito bem pertinho do engenho. Da calçada da casa- grande viam-se no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu de palha velho subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada. (Menino de Engenho, 2003, p. 13 e 74)



Esse trecho mostra com clareza o cultivo da cana-de-açúcar, elemento esse que foi de fundamental importância durante o Brasil colônia, pois representou grande lucro para a coroa portuguesa, enquanto que o nosso Brasil perdia com isso, uma vez que estava sendo explorada a nossa riqueza, visto que ele, isto é, o Brasil era um grande produtor da cana-de-açúcar.
Segundo Petta e Ojeda (1999, p.91), o engenho era a unidade de produção do açúcar e compreendia a lavoura, o engenho propriamente dito, a casa-grande, a senzala e a capela. Em Menino de Engenho, o engenho é bem descrito e se chama engenho Santa Rosa, é dirigido pelo senhor todo poderoso José Paulino que simboliza de uma certa forma os senhores de engenhos do Brasil colonial. Vejamos o trecho que mostra a descrição do engenho Santa Rosa:



As terras do Santa Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha esse gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Tudo o que tinha era para comprar terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino. (Menino de Engenho, 2003, p. 66).



Conforme Costa e Mello (2008, p. 233), na casa-grande viviam o senhor de engenho, seus parentes e um bom número de agregados, todos a ele subordinados. No livro em análise há a presença da casa-grande onde mora o senhor de engenho, o José Paulino juntamente com a sua família e os empregados. Vejamos o trecho que demonstra a existência da casa-grande que foi tão marcante no período colonial:



Quando cheguei, com o meu tio Juca, no pátio da casa-grande, o alpendre estava cheio de gente. Sentado em uma cadeira estava, perto de um banco, estava um velho a quem me levaram para receber a bênção. Era o meu avô. (Menino de Engenho, 2003, p.10).



Vale falar ainda da senzala que era o lugar onde ficavam os escravos no período colonial. José Lins retratou bem a senzala na obra Menino de Engenho, como pode ser percebido a seguir:



Restava ainda a senzala dos tempos do cativeiro. Uns vinte quartos com o mesmo alpendre na frente. As negras do meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho, não deixaram a rua, como elas chamavam a senzala. (Menino de Engenho, 2003, p. 49).



Para Petta e Ojeda (1999, p. 93), o senhor de engenho era o dono de todas as pessoas que viviam sob seu teto e em suas terras, dispunha da vida de todos da mesma forma como fazia com seus bens materiais. Na obra em foco notamos com clareza essas características presentes no senhor de engenho José Paulino que era dono do engenho Santa Rosa e de várias propriedades de terras, ele detinha o poder econômico e político da cidade, resolvendo e tomando decisões sobre os assuntos relacionados à fazenda e até sobre as pessoas. Isto pode ser verificado no trecho a seguir:



Meu avô me levava sempre em suas visitas de corredor às terras de seu engenho. Lá ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, dar os gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. (Menino de Engenho, 2003, p. 33).



Podemos ver que o senhor de engenho José Paulino implantava a ordem, se portava como um chefe que manda e é obedecido. No trecho a seguir vamos perceber a forte autoridade dele ao mandar colocar no tronco o Chico Pereira, devido o mesmo ter sido acusado de engravidar a Maria Pia:



O meu avô mandou botar no tronco. E nós fomos vê-lo, estendido no chão, com o pé metido no furo do suplício. Raramente eu tinha visto gente no tronco. Somente um negro ladrão de cavalos ficara ali até que chegassem os soldados da vila, que o levaram. Agora, porém, Chico Pereira estava lá, com os pés no buraco redondo. No outro dia voltei para junto do prisioneiro. As pernas presas já estavam inchadas, apertadas demais no buraco do tronco. (Menino de Engenho, 2003, p. 39).



José Lins ao apresentar o poderio e o abuso de autoridade do senhor de engenho José Paulino fez uma crítica aos senhores de engenhos do Brasil colônia que se comportavam da mesma forma. Além disso, criticou a passividade das pessoas que aceitavam sem reclamar tal sistema imposto ao mostrar o personagem Carlinhos descrevendo seu avô como um senhor de engenho bom.
O jesuíta Antonil apud Costa e Mello (2008, p.233), afirma que os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. Na obra em análise é enfatizado a questão da escravidão representada nos trabalhadores do engenho Santa Rosa que trabalhavam muito, sem descanso e não ganhavam nada. Eram eles que tomavam conta da plantação da cana-de-açúcar e de outros produtos produzidos no engenho, e, no entanto, não eram valorizados, pelo contrário eram explorados pelo senhor de engenho que se aproveitava da mão-de-obra deles. Vejamos o trecho que mostra essa situação:



Estavam na limpa do partido da várzea. O eito bem pertinho do engenho. Da calçada da casa-grande viam-se no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu de palha velho subindo e descendo, num ritmo do manejo da enxada: uns oitenta homens comandados pelo feitor José Felismino, de cacete na mão, reparando o serviço deles. Pegava com o sol das seis, até a boca da noite. Paravam às dez horas, para o almoço de farinha seca com bacalhau. (Menino de Engenho, 2003, p. 74).



Schumaher e Brazil apud Costa e Mello (2008, p. 234), falam que em todas as etapas da produção e manufatura dos canavieiros houve a labuta das mulheres escravizadas, nos engenhos, cozinhavam-nas em enormes tachos de cobre, no interior das casas-grandes, preparavam a comida, lavavam, e arrumavam, efetuando todos os afazeres cotidianos para as famílias escravocratas. Também podemos perceber na obra Menino de Engenho a escravidão presente nas figuras das mulheres que trabalhavam muito, e de graça no engenho, e aceitavam tudo sem reclamar, se continham com tal situação que eram submetidas, como pode ser visto a seguir:



E elas a trabalharem de graça, com a mesma alegria da escravidão. As duas filhas e netas iam-lhes sucedendo na servidão, com o mesmo amor à casa-grande e a mesma passividade de bons animais domésticos. (Menino de Engenho, 2003, p.49).



Nesse trecho, podemos notar como as mulheres eram passivas e submissas ao sistema de escravidão, não lutavam para saírem da situação, mas aceitavam caladas, pois se continham com a vida que levavam, uma vez que não podiam reclamar, porém dizer sim ao que é imposto.
Vale falar que na obra Menino de Engenho José Lins faz uma crítica à sociedade escravocrata que discriminava os negros e os menos favorecidos ao nos apresentar o branco como sendo superior ao negro quando nos mostra o personagem Carlinhos afirmando que não tinha pena da condição em que viviam os negros e que eles nasceram assim era porque Deus quisera e por isso podiam mandar neles e em tudo. Vejamos isso no seguinte trecho da obra:



O costume de ver todo dia esta gente na sua degradação me habituava com a sua desgraça. Nunca, menino, tive pena deles. Achava muito natural que vivessem dormindo em chiqueiros, comendo um nada, trabalhando como burros de carga. A minha compreensão da vida fazia-me ver nisto uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera nós éramos brancos e mandávamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos. (Menino de Engenho, 2003, p. 76).



Podemos ver dessa maneira, o quanto o negro era discriminado e maltratado pelo branco que se achava o superior, o dono de tudo e de todos, essa realidade infelizmente ainda existe em nossa sociedade contemporânea e resta a nós a não aceitar essa situação, mas lutar pela igualdade entre branco e negro, pois o negro também é um ser humano igual ao branco e merece ser respeitado e ter os mesmos direitos que o próprio branco tem.


Na obra Menino de Engenho é abordado a questão do cangaço que no caso foi muito marcante durante a República Velha. De acordo com Dória apud Júnior (2004, p. 73), o cangaço se caracterizou por ser uma ação de bandos armados que saqueavam fazendas, vilarejos e cidades, que embora fossem considerados como criminosos pelo Estado, eram vistos como heróis populares por sua gente. Em Menino de Engenho o cangaço é visto dessa mesma forma pelas pessoas do engenho, pois elas tinham muito respeito pelos cangaceiros, viam-nos como um herói, todos temiam eles, como podemos notar no seguinte trecho:



A casa toda ficou debaixo do pavor. O nome do cangaceiro era bastante para mudar o tom de uma conversa. Falava-se dele baixinho, em cochicho, como se o vento pudesse levar as palavras. Para os meninos, a presença de Antonio Silvino era como se fosse a de um rei das histórias, que nos marcasse uma visita. Um dos nossos brinquedos mais preferidos era até o de fingirmos de bando de cangaceiros, com espadas de pau e cacetes no ombro, e o mais forte dos nossos fazendo de Antonio Silvino. (Menino de Engenho, 2003, p. 18).



Outro ponto enfocado na obra são as crendices populares, as pessoas do engenho Santa Rosa acreditavam que existia lobisomem e ficavam assustadas quando aparecia ele a noite pela redondeza do engenho. Vejamos o trecho que fala sobre isso:



Na mata do rolo estava aparecendo lobisomem. Na cozinha era no que se falava, num vulto daninho que pegava gente para beber sangue. O poldro coringa do meu avô amanheceu um dia com um talho minando sangue. O lobisomem andara de noite pelas estrebarias. Eu acreditava em tudo isto, e muitas vezes fui dormir com o susto destes bichos infernais. (Menino de Engenho, 2003, p. 42 e 43).



Além da crença em lobisomem, as pessoas do engenho Santa Rosa também acreditavam que os zumbis também existiam no engenho e que eles eram as almas dos animais e ficavam rondando por ali, encarnando-se em porcos e bois, que corriam na frente das pessoas e se procurava pegá-los, desapareciam por encanto.



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Pelo que foi abordado ao longo do presente trabalho, podemos afirmar que a obra Menino de Engenho é uma obra muito rica que apresenta características marcantes do Brasil colônia e que retrata muito bem essas características através da fala de cada personagem, proporcionando-nos conhecimentos e criticidade sobre esse momento que o nosso Brasil passou, que foi o período colonial. A literatura é vida e propiciadora de conhecimentos e visão crítica, por isso ela mostra de forma extraordinária a História, como pudemos ver na obra em estudo. Assim fala Barthes (2000) sobre a literatura: “Todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2000.

COSTA, Luis César Amad; MELLO, Leonel Itaussu A. História Geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2008.

JÚNIOR, Alfredo Boulos. Sociedade e Cidadania. São Paulo: FTD, 2004.

PETTA, Nicolina Luiza de; OJEDA, Eduardo Aparício Baez. História: Uma abordagem integrada.São Paulo: Moderna, 1999.

REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

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O Adultério na obra “O Cortiço”, de Aluizio Azevedo

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
Centro de Letras e Artes
Curso: Letras
Disciplina: Literatura Brasileira I
Professora: Maria Edinete Tomás

Luiza Selma Freire Araújo
Estudante do 6º período do curso de letras da UVA


RESUMO

Este trabalho apresenta como principal objetivo analisar o adultério entre os personagens da obra O Cortiço, e relacioná – los com as concepções de Michel Foucault, abordando o conceito tradicional de casamento, e comparando – os com as relações conjugais da obra O Cortiço.

Palavras – chave: Realismo, Relação conjugal, Adultério.


Considerações Iniciais

Este artigo apresenta aspectos íntimos da vida conjugal dos personagens da obra O Cortiço, representativas das ações adúlteras da população carioca do século XIX, comparando-as com as idéias de Michel Foucault, em seu livro Historia da sexualidade.

Adultério, fato realista na obra “O Cortiço.”

A principio, antes de adentrar no tema propriamente dito, será feito um breve contexto do estilo de época, já que a temática deste estudo compreende um dos acontecimentos da população anônima e marginalizada da sociedade carioca do século XIX.
O Realismo procura mostrar a verdade, e uma das suas características é a verossimilhança, ou seja, o retrato fiel da realidade, fornecida através de uma interpretação da vida, e com uma linguagem mais próxima possível da realidade. Busca essa realidade através do retrato fiel de personagens, onde os incidentes do enredo decorrem do caráter dos mesmos. O Realismo retrata a vida de uma sociedade contemporânea, como no caso da obra em estudo, que é em um cortiço.

O contemporâneo é essencial ao temperamento realista, do mesmo modo que o romântico se volta para o passado ou para o futuro. Ele encara o presente nas minas, nos cortiços, nas cidades, nas fabricas, etc. (COUTINHO 2002, p. 10)

A obra O Cortiço mostra casos patológicos das camadas sociais do século XIX, retrata o íntimo da vulgaridade de uma sociedade, a essência de uma nação sem caráter e amoral, e suas perversões: a hipocrisia de João Romão, sendo agraciado com o titulo de Membro Honorário do Clube dos Abolicionistas, ao mesmo tempo em que noutra sala, esvaia – se sua companheira de todas as horas, a negra Bertoleza, sob o julgo do antigo dono que lhe viera recapturar, depois de ter sido informado pelo próprio João Romão, que queria livrar – se dela; Jerônimo homem casado que comete adultério ao manter um romance com Rita Baiana, e depois cometer um crime contra Firmo o namorado de sua amante; Pombinha que era a flor do cortiço e depois viera a se prostituir:

A fim de fundamentar suas teses, os realistas escolhiam os personagens nas varias camadas e grupos sociais do tempo. Como selecionavam casos patológicos para atestar a decadência da sociedade contemporânea [...], (MOISES 1994, p. 167).

O livro O Cortiço encara o presente, nas relações conjugais, focalizando o adultério, que é a temática da obra em estudo, e que é presente em todos os casos da obra.
O conceito que se tem sobre casamento vem evoluindo e se transformando de acordo com o tempo, é só analisarmos as relações conjugais de antigamente e compará – las com as de hoje que notamos a diferença, ou pelo menos antigamente as pessoas escondiam melhor as relações extramatrimoniais de maneira que elas não viessem à tona, pois o adultério, que antes era um assunto polêmico, hoje é um assunto encarado com a maior simplicidade, enquanto antigamente poderia ser corrigido e até reparado.
“Em sua forma antiga, o casamento só continha efeito de Status: transmissão do nome, constituição de herdeiro, organização de um sistema de alianças, junção de fortunas [...],” ( FOUCAULT 1985, p.81). Mas olhando de um modo geral os casamentos se dão através de dois pontos de vista: de um lado um físico e sexual e de outro o racional e social, que é a partilha da existência, a afeição e a amizade que devem existir entre um casal. Este segundo ponto de vista sobre casamento é inexistente entre os casais da obra em análise. No início Jerônimo até que se enquadrava nesta idéia, mas com o passar do tempo tornou – se perverso, ao enfeitiçar – se pela luxuriosa Rita Baiana.
Diante da concepção de Foucault de que o casamento só continha efeito de status, e de que o adultério tinha como definição os danos aos direitos do marido, percebemos que na obra O Cortiço acontece algo muito semelhante, pois Miranda mesmo sabendo que sua mulher o traía continuava com ela, escondendo de todos que sua esposa mantinha relações sexuais fora do casamento, já que ele tinha que fingir e mostrar para a sociedade que compartilhava muito bem a sua vida com a mulher, como mostra o seguinte trecho:

Odiavam – se. Cada qual sentia pelo outro um profundo desprezo, que pouco a pouco foi se transformando em repugnância completa. O nascimento de Zulmira veio agravar ainda mais a situação; a pobre criança, em vez de servir de elo entre os dois infelizes, foi antes um novo isolador que se estabeleceu entre eles. Estela amava – a menos do que lhe pedia o instinto materno por supô-la filha do marido, e este a detestava por que tinha convicção de não ser seu pai. Na dolorosa incerteza de que Zulmira fosse sua filha, o desgraçado nem sequer gozava o prazer de ser pai, a pobre criança nada mais representava que o documento vivo do ludíbrio materno, e o Miranda estendia até à inocentizinha o ódio que sustentava contra a esposa. (O Cortiço 2002, p. 8 e 10).

Mesmo assim, Miranda tinha que estar junto da esposa, mesmo odiando – a, desprezando – a, já que dependia dela para obtenção de seus objetivos.
“Tradicionalmente”, o vinculo entre o ato sexual e o casamento se estabelece a partir e em função da necessidade de ter uma descendência”.( FOUCAULT 1985, p. 169), se esse fim que era a procriação não fosse realizado o casamento poderia até acabar.
O prazer sexual não poderia ser admitido fora do casamento, o que não acontece entre as relações conjugais da obra em análise. E nem mesmo poderia acontecer com o indivíduo que não fosse casado, pois o seu único objetivo era a procriação, que deveria ser legítima, daí não serem admitidas as relações extramatrimoniais.
Nas culturas modernas “os prazeres legítimos: são aqueles que os parceiros realizam juntos no casamento e para o nascimento dos filhos” ( MOSONIUS apud. FOUCAULT 1985, p. 196), que se fossem procurados em outras formas como fora do casamento, são vergonhosas e contra as regras conjugais, visto que as atividades sexuais são exercícios legítimos que só podem se estabelecer dentro da conjugalidade.
Os personagens do livro O Cortiço se contradizem a essas concepções, pois eles preferiam os prazeres fora do casamento, na forma de adultério, como e o caso de Leocádia, Jerônimo e Estela. Sendo assim, diante das concepções de Mosonius, esses personagens da obra deveriam ser punidos, por cometerem esse ato errado, que é o adultério. O erro deveria ser reparado e corrigido, já que o prazer sexual é uma forma legítima do casamento, e que só foi aceito para regular, num quadro estrito seu uso necessário. Dessa maneira, o casamento torna – se uma forma de produzir uma decência legítima para o ato sexual, que produzido fora da relação matrimonial é considerado uma sujeira, um “desregramento.”
Outro exemplo de adultério na obra em estudo é o caso de Jerônimo, um português, descrito como homem perseverante, observador, dotado de certa habilidade, homem bem disposto e cheio de virtudes, homem comportado e que começa a ser respeitado tanto pelos trabalhadores que lhes eram subalternos na pedreira de João Romão, quanto pelos moradores. Após certo convívio e ter se apaixonado por Rita Baiana, decide abandonar a mulher e a filha para ir morar com ela, vai, pouco a pouco na voz do narrador de Aluísio Azevedo, “abrasileirando–se,” fazendo–se preguiçoso, amigo das axtravagâncias e dos abusos,luxurioso e ciumento.
De um modo geral, um dos motivos que pode levar o esposo a cometer o adultério, é se ele tiver um pensamento tradicional, pois assim irá procurar em outras mulheres, fora do casamento, maneiras mais ardentes e luxuriosas de sentir prazer sexual, por pensar que a relação tem que ser diferente entre amantes, pois:

Tratar a própria esposa como uma ama que no casamento é preciso conduzir – se como amante, e comportar – se muito ardentemente com a própria mulher é trata – la como adúltera, (FOUCAULT, 1985, p. 178)


Talvez seja essas idéias citadas a cima que levaram Jerônimo a cometer o adultério, pois sua esposa era uma mulher tímida recatada, comportada e sem malícias. Ele encontrou em Rita Baiana, completamente o oposto de sua mulher, uma morena faceira, luxuriosa e muito maliciosa, como mostra a obra:

E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante. (O Cortiço 2002, p. 23)


Outro caso de adultério presente na obra é a relação sexual momentânea que Leocádia tem com Henriquinho, estudante de Direito, em troca de um coelho, enquanto casada com Bruno. O marido de Leocádia a pega em flagrante em plena traição:

Os dois se encontraram, e Leocádia foi logo sacando fora a saia de lã grossa. O estudante atirou – se a ela, sôfrego, sentido – lhe a frescura de sua carne de lavadeira. Quando o ferreiro, logo em seguida, chegou perto da mulher, esta ainda não tinha acabado de vestir a saia molhada. (O Cortiço 2002, p. 26).

A partir do trecho acima notamos que foi por causa de Henriquinho, que Leocádia e Bruno se separaram, numa sena típica de casados que se descobrem em pleno adultério; o que faz com que mais tarde Bruno procurasse a mulher através dos favores de Pombinha, para que lhe escrevesse uma carta a Leocádia, nos fornecendo a oportunidade para fazermos, num dos momentos mais sóbrios da Literatura Brasileira, uma longa reflexão a respeito do poder sutíl do elemento feminino sobre a vaidosa e fanfarrona brutalidade masculina, como podemos ver no seguinte trecho:

Encarando as lagrimas de Bruno, compreendeu e avaliou a franqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea. (O Cortiço 2002)

Seguindo essa mesma linha de raciocínio que a fêmea têm poder sobre o macho, encontramos também em Miranda essa submissão. O domínio sexual que a mulher tem sobre o homem, ao ponto dele perder o próprio orgulho, deixando – se dominar pela sedução feminina, podemos perceber isso no momento em que Miranda se deixa levar pela luxúria e cai nos braços de Estela, mostrando que” o homem e forte para desejar, e fraco para resistir ao desejo”:

Estela recebeu desta vez como a primeira, fingindo que não acordava; na ocasião, porém, em que ele se apoderava dela febrilmente, a leviana sem se poder conter, saltou – lhe em cheio contra o rosto uma gargalhada que a custo sopeava. O pobre diabo desnorteou, deveras escandalizado sauguendo – se brusco no estremunhamento de sonâmbulo acordado com violência. A mulher percebeu a situação e não lhe deu tempo para fugir; passou – lhe rápido as pernas por cima e, guardando – se lhe ao corpo, cegou – o com um a metralhado de beijos. ( O Cortiço 2002)



Considerações Finais


A partir do comportamento de Jerônimo, Leocádia, Estela, e a maioria dos personagens da obra, diriamos como Foucault que “os indivíduos deveriam viver apenas como os animais, unir-se e logo separar – se “, pois quase todos os personagens da obra cometem adultério, e trocam com muita frequência de parceiros.





Referências Bibliográficas


FOUCAULT, Michel. Historia da Sexualidade, 3: O Cuidado de Si. Rio de Janeiro: Edições Graal.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 1º Ed – São Paulo: Rideel,2000.
COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil. 6 ed.rev.e atual.3. São Paulo: Global, 2002.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 30 ed. São Paulo: Cultrix, 1994
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O Pré-Modernismo e a Obra “Viagem ao Céu” de Monteiro Lobato

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
Centro de Letras e Artes
Curso: Letras
Disciplina: Literatura Brasileira II
Professora: Mônica Paiva


Luiza Selma Freire Araújo
Estudante do 7ª período do curso de letras da UVA

RESUMO

Este trabalho apresenta como principal objetivo mostrar o momento histórico e as características do Pré Modernismo e, a partir daí analisar a inteligência e a esperteza das personagens da obra “Viagem ao Céu” de Monteiro Lobato.

Palavras - chave: Pré-Modernismo. Monteiro Lobato. Inteligência. Esperteza.

Considerações Iniciais

Este artigo apresenta o momento histórico e características do Pré-Modernismo, representativos na inteligência e esperteza das personagens da obra “Viagem ao Céu”, de Monteiro Lobato.

Biografia de Monteiro Lobato

Escritor, editor, diplomata, industrial, fazendeiro, José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, estado de São Paulo.
Formado pela faculdade de Direito de São Paulo do Largo de São Francisco , viveu em pequenas cidades do Vale do Paraíba e na fazenda que herdou do avo, o Visconde de Tremembé, até mudar-se para São Paulo, em 1918 quando começou a carreira literária e de editor.
Neste mesmo ano, comprou a Revista do Brasil, fundou a Editora Monteiro Lobato e editou Urupês, livro de contos.
Em 1924, devido a uma crise de energia elétrica. Lobato viu sua editora falir. No ano seguinte fundou com alguns amigos a Companhia Editora Nacional, a pioneira das grandes editoras modernas brasileiras.
De 1927 a 1931, Lobato viveu nos Estados Unidos, como adido comercial brasileiro. Ao voltar convicto da necessidade de modernizar o país, entregou-se ferrenhamente a causa da exploração do petróleo e do ferro em solo brasileiro, Durante dez anos promoveu uma acirrada campanha nacionalista que resultou na sua prisão, devido a uma carta que escreveu ao então ditador Getúlio Vargas, denunciando manobras contra o seu projeto.
Solto três meses depois, Lobato voltou a dedicar-se aos livros, participando da fundação da Editora Brasiliense. Em 1946, mudou-se para a Argentina, onde seus livros foram muito bem sucedidos. Ao retornar ao país, em 1947, participou da companhia pública contra a cassação de parlamentares do Partido Comunista. Em 1948, um espasmo vascular causou-lhe a morte.

Momento Histórico

O Brasil do início do século mantém basicamente a mentalidade do final do século XIX, pós republicana, positivista e liberal. Entretanto o quadro político tenso põe em risco o poder das oligarquias civis, provenientes dos setores rurais.
Uma burguesia industrial nascente, ligada a produção e exportação do café no eixo Rio- São Paulo- minas, começa a ascender. A urbanização e a imigração, decorrentes do crescimento industrial, trazem à cena ideologias progressistas que conflitam com o nosso tradicionalismo agrário.
As pressões de outros segmentos da população interessados numa mudança política, por exemplo, os profissionais liberais, a pequena classe média, alguns setores militares, o proletariado manifestam-se através de movimentos como a Revolta contra a vacina obrigatória (Rio de Janeiro, 1904), a Revolta da Chibata (Rio de Janeiro, 1910) e as duas greves gerais de operários (São Paulo, 1917-1919).


No meio rural, por sua vez, as tensões se expressam na proliferação de grupos de cangaceiros e em movimentos messiânicos relacionados a eventos de grande repercussão política, como a Guerra de Canudos (Bahia, 1896-1897), a Revolta do Contestado (Santa Catarina, 1912-1916) e o Levante de Juazeiro (Ceará, 1911-1914), que teve o Padre Cícero como um dos protagonistas.
Em suma, parece haver “dois brasis” em estado de confronto, ao longo da Primeira República: aquele agrário, tradicionalista e conservador, que detém o poder, e este que anuncia a virada do século, um país industrial, urbano, em busca de modernização. Em termos culturais predomina a chamada “literatura sorriso da sociedade”.

Características da Época

Nesse período, expuseram-se os problemas do homem do sertão e a existência de vários Brasis ainda não descobertos através da obra ”Os sertões”, de Euclides da Cunha. Foi característica também uma visão pessimista do homem brasileiro, especialmente dos alemães, onde Graça Aranha mostra essa visão, em sua obra Canaã.
É característica da obra de Lima Barreto temas como: a cidade do Rio de Janeiro e seus operários, o mulato, os moradores dos subúrbios e das favelas, todos vistos sob uma óptica social, carregados de amarga crítica, mas com uma tendência humorística. Seus enredos são simples, o registro, porém, das sensações e reflexões de suas personagens é profundo, levando-as muitas vezes a tirar conclusões ora satíricas, ora revoltadas, ora pessimistas como acontece em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”.
A obra de Monteiro Lobato trás como característica a preocupação com o progresso do Brasil, faz reflexões sobre os problemas brasileiros, como a saúde, a instrução, a situação do caboclo. Seus cenários, personagens e enredos resgatam o Brasil rural em extensão, com um tom marcado pela oralidade e uma constante preocupação com as contradições do país, no impasse entre o atraso e a modernidade.
Deixou-nos também uma extensa obra infantil, de natureza moralista e racionalística, cujos enredos se passam no “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Na poesia temos como principal representante Augusto dos Anjos, com poemas que desafiam classificações rígidas e inserem em nosso contexto cultural algumas características universais modernas.

A Inteligência e a Esperteza das Personagens da Obra “Viagem ao Céu” de Monteiro Lobato.

Como escritor, Monteiro Lobato destaca-se como criador da literatura voltada ao público infantil e juvenil ambientadas no “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, onde têm marcado gerações e gerações de leitores.
Nelas, o Brasil arcaico, rural, se mistura com o Brasil moderno da ciência. Na obra Viagem ao Céu , temos personagens de tradição diversas, como São Jorge e os heróis gregos que se misturam com inesquecíveis criações - Dona Benta, Narizinho, Pedrinho, Tia Nastácia, a boneca Emília, o visconde de Sabugosa e o Burro falante...
Percebemos no livro em estudo que uma das características da obra infantil de Monteiro Lobato é o grande valor da inteligência, esperteza e conhecimento das suas personagens, pois:

O grande desafio das personagens de Lobato é o conhecimento, é através dele que se impõem. A moralidade tradicional é dissolvida, o grande valor passa a ser a inteligência. A esperteza, habilidade quase maliciosa da inteligência, é igualmente valorizada.(CADEMARTOLI 1994, p. 51)

Ao lermos a obra em análise vemos que através de suas espertezas as personagens criam idéias que sempre dão certo para se safarem das enrascadas que se metem em algumas de suas aventuras, mostrando que um plano bem executado vale mil vezes mais do que o mais potente dos muques.
Notamos também ao analisar esta obra, que ela engloba vários conhecimentos como: acontecimentos históricos, geografia e astronomia, como mostram o trecho em que Dona Benta fala sobre Galileu para seus netos: “Um dos maiores sábios do mundo foi Galileu, o inventor da luneta astronômica, graças a qual afirmou que a terra girava em redor do Sol”. (VIAGEM AO CÉU 1995, p.12).
A partir do trecho citado acima notamos que Dona Benta tem um bom conhecimento sobre história. Vemos também que, até mesmo o burro falante é conhecedor da gramática e bem educado quando diz:

E a senhora Anastácia? (ele era a única pessoa do mundo que dizia “senhora Anastácia”, em vez de “tia Anastácia”, como os outros. Nunca houve burro mais bem educado nem mais respeitador da gramática). (VIAGEM AO CÉU 1995, p. 49)

Em relação ao conhecimento sobre geografia encontrado na obra, Pedrinho parece ser conhecedor bastante sobre o mesmo, quando diz a São Jorge: “Lá está o continente europeu! Aquelas ilhas naquele ponto são as ilhas Britânicas, ou Grã-Bretanha”. (VIAGEM AO CÉU 1995, p. 32). Já sobre astronomia a boneca de pano, Emília, tomou a vez e mostrou o que sabia dizendo: “Eu também sei o que é planeta (disse Emília com todo o oferecimento), é um astro que gira em redor do Sol”. (VIAGEM AO CÉU 1995, p. 26).
A partir da análise da obra Viagem ao Céu, percebemos que suas personagens têm uma liberdade, uma criatividade e uma força de vontade na busca pela aventura, instigando assim a curiosidade do leitor, e fazendo com que o mesmo fique estimulado, pois:

Hans Robert Jaus, teórico da literatura, postula que o leitor é uma força histórica e criadora e que uma obra pode ser apreciada a partir do papel ativo que ela possibilita a seu destinatário. (CADEMARTOLI 1994, p. 50).

Seguindo a mesma linha de raciocínio vemos que, além de tudo, os livros de Monteiro Lobato têm como objetivo ensinar a criança a ter raciocínio próprio e visão crítica de mundo, através de sua linguagem simplificada.

Considerações Finais

A partir das ações dos personagens da obra em estudo, percebemos que eles são realmente muito inteligentes e, possuem uma sabedoria e esperteza impressionantes, que incentivam a curiosidade da criança e, fazem com que a mesma fique estimulada, já que ser esperto é o segredo da vida e, também a moral da maioria das fábulas de Monteiro Lobato.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Emília. Português: novas palavras: literatura, gramática, redação. São Paulo: FTD, 2000.
SILVA, Antônio de Siqueira e BERTOLIN, Rafael. Literatura Portuguesa, Literatura Brasileira, Produção de Texto, Atividades. São Paulo: IBEP.
CADEMARTOLI, Lígia. O que é literatura infantil. 6° Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu. 45° Ed.- São Paulo: Brasiliense, 1995.

A FIGURA DE BERTOLEZA COMO HEROINA DO CORTIÇO, DE ALÚSIO AZEVEDO


NATÁLIA RODRIGUES SOUSA


Aluna do 6º período do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O presente trabalho tem por objetivo apresentar a personagem Bertoleza da obra O Cortiço como a heroina do cortiço, bem como mostrar o conceito de herói na literatura, enfocando no Romantismo e na tragédia e contrapondo com a visão de herói no Naturalismo. O artigo é de cunho bibliográfico, no qual é trabalhado com teóricos como Coutinho (1987), Coutinho e Eduardo de Faria (2002), Barros (1994) e Granja (2008).


A FIGURA DO HERÓI NA LITERATURA


O herói literário é caracterizado pela valentia, coragem física e moral. De acordo com Coutinho (1987, p. 752), o conceito de herói é: “O herói ou heroina é o personagem principal, é a figura central, em torno do qual giram os acontecimentos, e cujo destino atrai a simpatia e identificação do leitor”.
Na tragédia, podemos afirmar que o herói, sujeito ao império dos deuses, era constrangido pelas circunstâncias a cometer uma falha que o levava à desgraça. Temos como exemplo, Édipo Rei que sem saber se casa com sua mãe Jocasta e mata seu pai Laio, ao saber disso, Édipo cega-se e é expulso de Tebas, passando a ter uma vida de sofrimento. Mas através da cegueira, ele tem uma visão diferente de ver o mundo e as coisas, passando a discernir melhor. Com isso, o herói trágico salva o reino da maldição da peste, que seria uma punição pela presença do assassino de Laio entre os tebanos. Conforme Sérgio Granja (2008, p. 1): “A tragédia é a desgraça irreparável do herói vitimado pelo destino. Édipo é o herói trágico”. Dessa forma, o herói trágico é aquele que passa por sofrimentos, que enfrenta obstáculos para ajudar o seu povo.


No Romantismo, podemos dizer que o romântico é temperamental, exaltado, melancólico, que procura idealizar a realidade e não reproduzi-la. Nesse sentido, o herói romântico é aquele que é dotado de qualidades, que luta por seus objetivos, é belo, de classe social elevada, é jovem. Segundo Coutinho e Eduardo de Faria Coutinho (2002, p. 300), o herói romântico é representado como:


Antes disso, o herói romântico é um tipo ideal, não um tipo que é, porém que deve ser, em cujo esboço o cavalheirismo medieval entra com uma parte não muito pequena. Dentro dessa concepção, uma das qualidades fundamentais do herói romântico é a lealdade, sob cujo signo se desenvolvem todas as suas ações. Os que fogem a essa regra e não são nunca os protagonistas da história romântica simbolizam o mal, que deve ser invariavelmente castigado.



Nas obras de José de Alencar, como o Guarani, Ubirajara, Iracema, o índio é apresentado como o herói nacional e é retratado como símbolo de bravura, de pureza e de amor ao ambiente natural. Nesse caso, podemos dizer que em Alencar o índio passa a ter voz e vez.


O HERÓI NO NATURALISMO


Enquanto que no Romantismo o herói é aquele que é cheio de virtudes, qualidades, é perfeito, idealizador, no Naturalismo a figura do herói é diferente, pois o herói nesse movimento é trabalhado sob perspectiva de ser aquele marginalizado pela sociedade, com o objetivo de fazer crítica ao meio social preconceituoso e excludente, que explora os menos favorecidos.
De acordo com Barros (1994, p. 18), se o romance romântico idealiza as situações e os seres humanos, criando uma imagem deformada do mundo, cabe ao romance naturalista mostrar a realidade tal qual é, oferecer um retrato do mundo em que a imaginação do romancista pouco ou nada interfira. Seguindo essa visão podemos falar que o Naturalismo visa nos conscientizar sobre a realidade social e ao mesmo tempo faz uma crítica a essa realidade.
Ainda conforme Barros (1994, p. 19), o Naturalismo é:


O Naturalismo caracteriza-se por selecionar, entre os dados da realidade, os chocantes e contundentes: não basta desvendar os “podres” da burguesia, é preciso mostrar as condições sub-humanas em que vive o operário, reduzido ao estado de animal; não basta mostrar as falhas, é preciso colocar a nu as deformidades, os aleijões, os casos patológicos; não basta observar a realidade circundante, é preciso abismar-se no submundo, vivenciá-lo, experimentá-lo, registrar todas as reações observadas; adotar, em sua, um comportamento científico.



Podemos ver nesse caso, que a temática do Naturalismo são as condições miseráveis em que vivem os humilhados e ofendidos, vítimas de um sistema político-econômico-social, o burguês, que constituiria, no final das contas o grande vilão. Nesse sentido, o herói naturalista é aquele que é maltratado e explorado pela sociedade, representando uma crítica ao sistema social opressor.


A HEROINA EM O CORTIÇO


O livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo é uma obra de cunho naturalista, que faz uma crítica à sociedade do século XIX e que aborda vários temas de caráter social, dentre eles podemos citar a exploração do trabalho representada na figura de Bertoleza.
Bertoleza é uma crioula trintona, escrava de um velho cego residente em Juiz de Fora, que após a morte do seu marido foi morar com João Romão, este para enganá-la, forjou uma carta de alforria e com as economias da escrava, começou o seu projeto de enriquecer. Podemos perceber no trecho a seguir da obra o quanto Bertoleza é um exemplo de mulher trabalhadeira e que lutava pela sua libertação:


Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem-afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite, peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. (O Cortiço, 2004, p. 19).


Podemos verificar no seguinte trecho da obra, a presença do trabalho escravo representado na pessoa de Bertoleza, a qual era tratada como uma escrava, não tinha descanso, trabalhava muito, e não tinha direitos, enquanto que João Romão, às custas dela subia de posição social e ela tornava-se cada vez mais um ser desprezível, abandonada, sem voz e nem vez:


E a Bertoleza, sempre suja e tisnada, sempre sem domingo nem dia santo, lá estava ao fogão, mexendo as panelas e enchendo os pratos. Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja,sempre atrapalhada de serviço, essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo; pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. João Romão subia e ela ficava cá em baixo, abandonada como uma cavalgadura. (O Cortiço, 2004, p. 55 e 121).



Bertoleza é a típica heroina romântica que faz tudo por amor a seu amado, entretanto o seu amor e o seu trabalho não são reconhecidos pelo amado João Romão, pelo contrário, este a trata muito mal, como se fosse algo sem importância, como pode ser notado no seguinte trecho:”Ah! Ele esse dia estava intolerante com tudo e com todos; por mais de uma vez mandara Bertoleza à coisa mais imunda. Nesse dia serviu mal e porcamente os fregueses; tratou aos repelões a Bertoleza”. (O Cortiço, 2004, p. 94 e 100).
No trecho a seguir, podemos notar como Bertoleza se sentia perante a sua condição de vida, tinha vergonha de ser quem era, sofria em silêncio as suas amarguras, no entanto era submissa ao João Romão, como pode ser visto no seguinte trecho:



E Bertoleza bem que compreendia isso e bem que estranhava a transformação do amigo. Na sua obscura condição de animal de trabalho, já não era amor o que a mísera desejava, era somente confiança no amparo de sua velhice quando de todo lhe faltasse as forças para ganhar a vida. E contentava-se em suspirar no meio de grandes silêncios durante o serviço de todo o dia, covarde e resignada, como seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia-se de todos, envergonhada de si própria, triste de sentir-se a mancha negra. (O Cortiço, 2004, p. 154).




Na obra O Cortiço, Aluísio Azevedo descreve a heroina naturalista como a heroina sofredora, feia, pobre, velha, imunda pelo trabalho escravo a qual era submetida. Vejamos isso no trecho a seguir:



O destino de Bertoleza fazia-se cada vez mais estrito e mais sombrio; pouco a pouco deixara totalmente de ser amante do vendeiro para ficar sendo só escrava. Sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham`a luz. Já não vivia para ninguém, apática, estagnada como um charco podre que causa nojo. (O Cortiço, 2004, p. 155).



Aluísio Azevedo apresenta a heroina Bertoleza como um estorvo, um obstáculo na vida de João Romão que fazia de tudo para acabar com ela para alcançar os seus objetivos. Foi através de Bertoleza que o cortiço se torna um grande cortiço e o próprio João Romão se enriquece com o trabalho árduo dela. Vejamos o seguinte trecho que mostra o que João Romão pensava a respeito de Bertoleza:


Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque era tudo que havia de mal na vida dele! Seria um crime conservá-la a seu lado! Ela era o torpe balcão da primitiva bodega; era o frege imundo e a lista cantada das comezainas à portuguesa; era o sono roncado num colchão fétido, cheio de bichos; ela a sua cúmplice e era todo o seu mal- devia, pois, extinguir-se!. (O Cortiço, 2004, p. 168).



Notamos na obra em estudo a figura da heroina Bertoleza como alguém que não aceita mais a situação a qual estava inserida e se rebela contra João Romão quando este tenta entregá-la para o seu antigo dono. Aqui Aluísio apresenta a heroina como símbolo de valentia e indignação, como pode ser visto no trecho a seguir:



- Você está muito enganado, seu João, se cuida que se casa e me atira à toa!- exclamou ela. – sou negra, sim, mas tenho sentimentos! Quem me comeu a carne tem de roer-me os ossos! Então há de uma criatura ver entrar ano e sair ano, a puxar pelo corpo todo santo dia que Deus manda ao mundo, desde pela manhãzinha até pelas tantas da noite, para ao depois ser jogada no meio da rua, como galinha podre?! Não! Não há de ser assim, seu João! (O Cortiço, 2004, p. 173).



No trecho a seguir, Azevedo nos mostra Bertoleza sendo traída pelo seu amado João Romão, quando este a entrega aos soldados para levá-la para o cativeiro, no entanto, ela não aceita e acaba se matando com uma faca que estava escamando peixe. Bertoleza ao optar por se matar, torna-se senhora do seu destino e demonstra inconformismo com o sistema escravocrata que tira a liberdade do ser humano. Vejamos o trecho que comprova Bertoleza sendo traída por João Romão:



- É esta! – disse aos soldados que, com um gesto, intimidaram a desgraçada a segui-los. – Prendam-na! É escrava minha. A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. (O Cortiço, 2004, p. 183).



Aluísio Azevedo ao nos apresentar João Romão recebendo o diploma de sócio benemérito como abolicionista faz uma crítica às pessoas que lucram e ganham títulos às custas da exploração dos menos favorecidos. Quantos em nossa sociedade são heróis como Bertoleza, entretanto não são reconhecidos e nem bem tratados, pelo contrário, são considerados heróis aqueles que escravizam tratam mal as pessoas. Vejamos o trecho que comprova João Romão sendo tratado como abolicionista:



João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos. Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionista que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito. Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. (O Cortiço, 2004, p. 183).



CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante do que foi exposto, podemos afirmar que Bertoleza é uma heroina típica naturalista, pois apresenta características de uma heroina naturalista, tanto pelo seu aspecto físico quanto pela crítica à sociedade simbolizada na sua pessoa. Vale ressaltar que Bertoleza é a heroina do cortiço, porque foi por meio do trabalho escravo dela que o mesmo consegue se transformar numa grande avenida São Romão. Bertoleza é o exemplo de mulher de fibra, de coragem, o seu sofrimento como mulher escrava e maltratada representa as mulheres que são escravizadas pelo trabalho e que não têm voz e nem vez para reclamar da situação que estão inseridas.
A literatura é vida e nos faz ter visão crítica da realidade. A personagem Bertoleza da obra O Cortiço, proporciona a nós senso crítico da realidade em que se encontra a mulher no contexto social.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALUÍSIO, Azevedo. O Cortiço. 4ª ed. São Paulo: Moderna, 2004.

BARROS, Elenir Aguilera de. Prosa de ficção. In A literatura Portuguesa em perspectiva. V. 3 Dir. Massaud Moisés. São Paulo: Atlas, 1994.

COUTINHO, Afrânio. Crítica e Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1987.

COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil. 6ª ed. São Paulo: Global, 2002.

SÉRGIO, Granja. O gênero dramático em Édipo Rei. São Paulo, 2008.




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